"Acentuo o que já indiquei: não há superioridade, propriamente, de uns poetas sobre os outros. Há magníficos poetas menores - dos mais altos dentre os modernos - e péssimos poetas maiores. Nenhum leitor de bom senso daria toda a obra de Baptista Cepellos, maior, pela Estrela da manhã do sr. Manuel Bandeira, menor. O que não há dúvida é que a supremacia do poema curto, centralizado em torno de uma simples emoção ou consistindo num jogo poético de habilidade, significa uma diminuição de tônus da poesia, um divórcio do poeta com o mundo, a sociedade, para confiná-lo a uma certa passividade ou a um certo enrolamento sobre ele próprio. A poesia, numa palavra, renuncia ao seu papel de ligação e de esclarecimento para se limitar ao excepcional, ao puro, para se bastar a si mesma."

CANDIDO, Antonio. (2002). Textos de intervenção. Editora 34.
   "O infortúnio é múltiplo. A infelicidade, sobre a terra, multiforme. Dominando, como o arco-íris, o amplo horizonte, seus matizes são tão variados como os desse arco e, também, nítidos, embora intimamente unidos entre si. Dominando o vasto horizonte como o arco-íris! Como é que pude obter da beleza um tipo de fealdade? Como pude conseguir, do pacto de paz, um símile de tristeza? Mas, como na ética, o mal é uma consequência do bem e, assim,  na realidade, da alegria nasce a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as agonias que são têm a sua origem nos êxtases que poderiam ter sido."


POE, Edgar Allan. (1978). "Berenice". Histórias extraordinárias. São Paulo: Editora Abril Cultural, p. 55
"- Há ausências que representam um verdadeiro triunfo"

"- A 'coisidade' é aquele desagradável sentimento de que, ali onde termina a nossa presunção, começa o nosso castigo. Lamento ter de empregar uma linguagem abstrata e quase alegórica, mas quero dizer que Oliveira é patologicamente sensível à imposição de tudo aquilo que o rodeia, do mundo em que vive, do que lhe foi destinado, para dizer de maneira mais gentil. Em resumo, é despedaçado pela circunstância. Ainda mais resumidamente, o mundo o incomoda."

"Imaginar um repertório de insignificâncias, o enorme trabalho de investigá-las e conhecê-las a fundo."

"somente as ilusões eram capazes de mover os seus fiéis, as ilusões e não as verdades."

"todo o pensamento destruía tudo no mesmo momento em que procurava aproximar-se."

"A desordem em que vivíamos, ou seja, aquela ordem em que um bidê se havia convertido"

"Estou falando de inocência edênica, não de estupidez."

"já que você sempre foi um espelho terrível"


CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
"O melhor ainda não foi escrito."

"É como se a vida dissesse o seguinte: e simplesmente não houvesse o seguinte."

"A criação me escapa. E nem quero saber tanto. Basta-me que meu coração bata no peito. Basta-me o impessoal vivo do it."

"Dor é vida exacerbada. O processo dói. Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro. O ar é it. Ar com vento já é um ele ou ela. Se eu tivesse que me esforçar para te escrever ia ficar tão triste. Às vezes não aguento a força da inspiração. Então pinto abafado. É tão bom que as coisas não dependam de mim."

"O horrível dever é o de ir até o fim."

"Levantei-me. O tiro de misericórdia. Porque estou cansada de me defender."

"O que não vejo não existe? O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe."

"E respeito muito o que eu me aconteço."


LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

ALTERIDADE

Quando Emerson diz "O povo, e não a universidade, é o lar do escritor", poucos parecem entendê-lo.

Por que lemos? Samuel Johnson: "A leitura deve atender à uma preocupação central, algo que nos diz respeito, e que nos é útil".

Francis Bacon: "Não leia com o intuito de contradizer ou refutar, nem para acreditar ou concordar, tampouco para ter o que conversar, mas para refletir e avaliar."

"Sem dúvida, o prazer da leitura é pessoal, não social", diz Harold Bloom, e continua:

"Não tentar melhorar o caráter do vizinho, nem da vizinhança, através do que lemos ou de como o fazemos. O auto-aperfeiçoamento é projeto suficientemente grandioso para ocupar a mente e o espírito: não existe a ética da leitura."

E se existe a estética, que ela nos seja pessoal. E que jamais seja imposta (ao próximo ou a si mesmo).

Mistificar a leitura, cultuar os livros, isso tudo é recalque, ignorância.

Se alguns acreditam que Paulo Coelho ou Dan Brown não escrevem literatura ("O que é literatura": discussão datada e hoje completamente irrelevante), não há aí motivo algum de não lê-los. Afinal, não se critica quem lê gibis, revistas, jornais.

O sucesso estrondoso de ambos Paulo CoelhoDan Brown seria uma indicação de que a humanidade estancou na mediocridade? Será mesmo que o leitor destes autores não lê nada além de tais autores?

A literatura não interessa muito. O que interessa é ler. Vamos 'livrar a mente da presunção', como pede Johnson. O que nos interessa é anamnese, é reflexão, é nos avaliarmos através da leitura, a leitura que nos apraz.

Emerson diz que "Para ler bem é preciso ser um inventor". Sejamos inventivos com Paulo Coelho ou Thomas Mann. Tenhamos a liberdade de escolha, e se escolhermos ambos, que sejamos lembrados pela pluraridade e não pela mediocridade creditada à leitura de um ou dois escritores. Tenhamos também o sossego de não ouvirmos pessoas que acreditam saber o que a humanidade deve ler - sobretudo quando elas não estão abertas a discutirem sobre o assunto.

(De que adianta alguém dizer que não lê Dan Brown mas continua sendo medíocre lendo William Faulkner?) 

"Literatura de ficção é alteridade." Harold Bloom

Liberdade é alteridade, sabedoria é alteridade.
Preconceito, presunção, pedantismo, não.

André Rebelo
"Se você não quiser ser compreendido, fale sempre através de parábolas. As pessoas, em geral, adoram não compreender. Isso não quer dizer que vão ler teu livro se ele for incompreensível. Mas hão de comprá-lo. É bonito ter em casa alguma coisa que não se compreenda."


HILST, Hilda. (2001). "Por que, hein?". Cascos & carícias & outras crônicas. São Paulo: Editora Globo, p. 26.